Brasília (DF) - Entram
em vigor hoje (3) as novas regras para os empregados domésticos previstas na Emenda
Constitucional nº 72, publicada na edição desta quarta-feira do Diário Oficial
da União. O texto estende os direitos gozados por todos os trabalhadores
regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aos empregados domésticos.
Ontem (2), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2102, a PEC das
Domésticas, foi promulgada pelo presidente do Congresso, senador Renan
Calheiros (PMDB-AL).
Até hoje, os trabalhadores domésticos tinham direito a
salário mínimo, à irredutibilidade da remuneração, a décimo terceiro salário,
repouso semanal remunerado, férias, à licença-maternidade e
licença-paternidade, a aviso prévio, à aposentadoria e à Previdência Social.
Com os novos direitos incluídos no Artigo 7º da
Constituição, esses trabalhadores terão garantia de jornada semanal de 44
horas, hora extra, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e de
seguro-desemprego. Também deverão ser criadas normas específicas para a redução
dos riscos de trabalho e reconhecimento de convenções e acordos coletivos.
Passam a ser proibidos, em relação aos empregados
domésticos, a diferença de salários por motivos de sexo, idade, cor ou estado
civil; a discriminação salarial ou de critérios de admissão de pessoas com
deficiência; o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e
qualquer tipo de trabalho doméstico a menores de 16 anos, exceto em condição de
aprendiz.
Algumas dessas normas passam a valer imediatamente, outras ainda
dependem de normatização. De acordo com o ministro do Trabalho e Emprego,
Manoel Dias, uma comissão do governo federal para regulamentar os pontos
pendentes será criada até o final da semana.
A validade da emenda para os contratos já firmados entre
empregados e empregadores é questionável, informou à Agência Brasil o
constitucionalista e presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Valmir Pontes Filho. Ainda há
incertezas sobre as mudanças tanto entre os trabalhadores quanto entre os patrões.
Ontem, foi cogitada a possibilidade de o Congresso discutir
a criação de um Supersimples para domésticas. A ideia é criar um instrumento
que possa facilitar a vida de empregadores e empregados, unificando os tributos
da categoria.
Advogados trabalhistas orientam que ambos os lados tenham
boa-fé e que elaborem documentos de suas relações profissionais, como
contratos.
Agência Brasil
Empregadas domésticas
lutam por direitos há quase meio século
A equiparação dos direitos das empregadas domésticas aos dos
outros trabalhadores é o resultado de 40 anos de uma luta formal da categoria.
Das mucamas às diaristas, o trabalho doméstico no Brasil não pode ser
dissociado da questão racial. Hoje, 61% das empregadas domésticas são negras,
assim como são negros 64% dos brasileiros economicamente ativos com menos de
três anos de escolaridade. A herança vem da época da abolição da escravidão,
quando os negros foram admitidos no mercado de trabalho sem educação ou
qualificação.
O resultado é que grande parte dos escravos recém-libertos
foi incorporada a trabalhos braçais. Às mulheres negras livres, coube o
trabalho doméstico que se dava em condições muito semelhantes às do período
anterior à abolição. Os jornais da época trazem anúncios de jovens criadas
sendo oferecidas para “aluguel” não em troca de salário, mas de alimentação e
roupas.
A presidente da Federação Nacional de Empregadas Domésticas,
Creuza Maria de Oliveira, faz um paralelo com o que se vê ainda hoje na seção
de empregos domésticos dos jornais brasileiros.
“Se você pega um jornal, vê: precisa-se de empregada que não
estude e que durma no emprego. É um objeto na casa do empregador”, critica
Creuza. “Ela precisa fazer seu trabalho e voltar para sua família, fazer
faculdade, como qualquer outro ser humano.”
História
Os direitos trabalhistas das empregadas domésticas podem ser vistos como
uma escadinha de conquistas que remonta ao século passado. A lei que consolida
a legislação trabalhista no Brasil data de 1942 e ignora as empregadas
domésticas, com a alegação de que elas não constituíam uma categoria
profissional.
Os empregados domésticos só foram reconhecidos como
profissionais pela primeira vez 30 anos mais tarde, em 1972. A lei previa a
assinatura da carteira de trabalho e férias de 20 dias, mas não tratava da
jornada de trabalho, nem do direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), ao seguro-desemprego e a outros benefícios.
Em 1988, a Constituição Federal garantiu o pagamento do salário mínimo e da
licença-maternidade de 120 dias, mas novamente ignorou o tema da jornada de
trabalho e do FGTS, que só foi estendido à categoria em 2001, mas de forma
facultativa, à escolha do patrão.
O sociólogo Joaze Bernardino, professor da Universidade de
Brasília e especialista em emprego doméstico, rebate esse argumento. “Ao longo
do Século 20, toda vez que foi discutida [a regulamentação de direitos] houve
reação da sociedade alegando que poderia trazer desemprego para empregadas
domésticas.”
Desorganização e machismo
Além da explicação histórica da exploração herdada da escravidão, a
categoria sofre um problema típico da natureza do trabalho: a dificuldade de
organização. Dispersas pelas casas de família, essas mulheres não se reúnem,
não trocam informações sobre as condições de trabalho e não se organizam.
Para a socióloga e historiadora Glaucia Fraccaro, outro grande desafio é o
machismo. “Os afazeres domésticos não são vistos como trabalho, são
considerados como funções naturais da mulher.”
Ela afirma que já passou da hora de a sociedade brasileira
ultrapassar essa visão e garantir, às empregadas domésticas, os mesmos direitos
de qualquer trabalhador. “Não cabe mais termos uma categoria essencialmente
feminina que sequer tem os mesmos direitos conquistados pelos trabalhadores em
1930.”
Agência Câmara
Edição: PRB Mulher DF